Diários da Dependência Emocional

Dia 1: Uma loira em recuperação

A Loira está de volta, amados. Dois anos depois, sobrevivente de uma pandemia, e agora casada, terapeutizada e finalmente decidida a se recuperar de sua dependência emocional. Tudo começou com um encontro de Tinder, que virou namoro depois de um ano, que virou morar juntos e alguns meses virou uma grande crise que por pouco não resulta em mais um término.

Para quem não sabe, dependente emocional é aquela pessoa que por medo de abandono, acaba fazendo tudo pelo outro e esquecendo de si. Sim, euzinha, que sempre preguei por aqui a liberdade, me descobri presa nesta pequena grande armadilha, que já não vem de agora – o terapeuta explica que as vezes começa até na barriga da mãe. Mas esse não é um blog sobre terapia.

Quem me acompanha aqui sabe que desilusões amorosas foram muitas – então não foi muito fácil para mim perceber que uma relação finalmente estava vingando e não querer agradar. Até porque ele fez questão de falar que enquanto não tivesse certeza que eu era a pessoa “certa”, não oficializaria o namoro. Motivo suficiente para que eu entrasse no modo que uma amiga sabiamente chamou de “estica chiclete” – fazer de tudo pelo outro e suportar além dos seus limites, até que ele arrebente. Falar o que incomoda? Jamais! E vamos lá, amadinhos, quem nunca?

O problema do estica chiclete é que facilmente ele pode dar margem para um relacionamento abusivo – uma vez que o outro sente que tem poder sobre você (e de uma certa forma tem, porque você permite sem perceber), o que era uma manhã de mau humor começa a virar um repertório de críticas constantes, inclusive na frente de outras pessoas, enquanto você, preso na culpa e no medo de abandono, nada faz a não ser observar e se calar.

A crise começou com quase dois anos depois com uma explosão minha, onde após uma crítica sobre serviços domésticos, comecei a gritar descontroladamente e quebrei o aspirador de pó na parede. O chiclete arrebentou e dai pra frente, o relacionamento virou uma montanha russa. Desconstruir o monstro, acreditem, é muito mais dificil.

Lições aprendidas? É importante falar o que incomoda sempre, em alto e bom tom, jamais se reduzir ou se encolher na sua opinião. Se o outro te deixa, ele não é para você. E sua vida, suas coisas, seus projetos, seus amigos, sua rotina, jamais deve ser esquecida em prol do outro. Você deve ser prioridade sempre, e seguir caminhando, fazendo acordos junto com o outro das rotas e sonhos em comum , assim como de seus limites e necessidades. Parece simples e dica de auto-ajuda, mas é muito mais dificil do que parece quando o lado da culpa pesa mais do que o auto-amor.

A crise se resolveu quando ambos desistimos de tentar ENTENDER as necessidades um do outro, e conseguimos ter uma conversa sincera, onde explicitamos o que conseguíamos atender e o que não conseguíamos. E entendemos que a parte que o outro não consegue nos dar, cabe a nós mesmos preenchê-la. O que determina o fim da relação? Quando você dentro dela percebe que está preenchendo a si mesma sem contribuição do outro.

Promessas foram feitas e canais de comunicação antes fechados foram abertos. A crise se resolveu, inclusive com uma nova aliança no dedo. Resolvi meditar mais, estudar mais e hoje cedo, após um ciclo de Kirtan de 13 minutos, lembrei que tenho um espaço onde posso falar tudo que quero e penso. Meu blog! Justamente em um dia onde descobri o quanto as vezes sermos nós mesmos pode incomodar o outro.

Não posso dizer que sou rica. Mas trabalho bastante para ter aquilo que gosto e, nem sempre, é algo barato. Nada contra experiências de baixo custo, amo desde o podrão da esquina até o grego de Pinheiros. Mas é engraçado notar que para muita gente, como você gasta seu dinheiro e como você fala sobre ele, incomoda – elas se sentem inferiorizadas e querem colocar a culpa em você. Eu brinco dizendo que carrego a marca da arrogante – todos acham que sou muito metida até me conhecerem melhor.

Achei que estivesse bem resolvida com isso, quando fui acusada ontem de fazer um Mansplaining ao contrário com meu namorado. Esse termo, gente, se refere a quando um homem explica algo a uma mulher achando ou assumindo que ela não saiba a respeito. Os famosos machos palestrinha. No caso, estava sendo acusada de ser a fêmea palestrinha.

Na hora, fiquei reflexiva, juro. Mas qual não foi minha surpresa ao descobrir que a pessoa que falou isso, na minha cara, estava se referindo a forma com que eu falo com muita liberdade sobre viagens, restaurantes caros e até mesmo conhecimento e do quanto isso poderia estar fazendo meu namorado se sentir menosprezado. Qual foi o termo? Ah sim. Talvez ele esteja se sentindo um Zé Ninguém. Ou talvez você esteja diminuindo as experiências dele como se elas não tivesse importância em relação as suas.

Em outras épocas da minha dependência emocional, imediatamente me sentiria culpada e errada por gostar daquilo que é bom. E ficaria com o medíocre. Aceitando o arroz sem poder sequer mencionar minha experiência com caviar. A nova Isa (ufa) colocou limites claros sobre o possível complexo de inferioridade do namorado, que nada teria a ver com ela. Mas ai se lembrou – porque estou perdendo tempo convencendo outra pessoa sobre a minha relação? Tirando uma hipótese em cima de um julgamento? Não seria mais fácil simplesmente perguntar diretamente ao namorado se ele se sente diminuído de verdade – e se for o caso, ajustar a rota?

Nossa mente gosta de assumir hipóteses, criar histórias, boas e ruins, para justificar nossos próprios atos e culpabilizar o outro sobre o que diz respeito a nós mesmos. O truque é sempre se perguntar: isso é verdade mesmo ou estou tornando essa história maior do que ela realmente é, porque no fundo estou me sentindo culpada / rejeitada / abandonada? E a resposta veio ligeira: a Isa gosta de coisas boas e falar sobre isso é a forma com que ela vê o mundo. Quando compartilha, quer que o outro possa se estimular a experimentar também e não como forma de mostrar que ela é superior. O que quer dizer a velha máxima das minhas ancestrais se aplica aqui: incomodados tem a porta como serventia da casa – e podem sair pelo mesmo lugar que entraram.

Fecho esse texto com o comentário do Uber que me levava para um evento de filosofia ao mesmo tempo que ouvia meu desabafo – nunca deixe de ser você ou se diminua pelo outro. Aquele que está com você deve ser alguém que te eleve a objetivos maiores e não alguém que queira te trazer para baixo. Eu adoro quando o universo traz respostas dos lugares que a gente menos espera. E você?

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